Wednesday, April 11, 2007


«Não me esperava sentir assim. Uma nódoa extensa de culpa que me preenche o sentir. Culpa por uma vida que não tive, pelos erros que não foram cometidos em meu nome, pelas horas que nunca passei em debate com o meu sinistro reflexo no fundo das águas onde bóia o meu corpo corrompido mas intacto. O álcool foi apenas uma desculpa inconsciente e inconsequente para escapar dos meus lamentos, não os enfrentando nunca de frente. O álcool foi o meu passaporte para este dia a dia errante, livre de preocupações ou compromissos, julgando eu que com isso nada mais se interporia entre mim e o espectro da cor da felicidade. Na verdade reconheço que nunca descobri qual a cor ou o perfume da felicidade e que nesta breve hora, na antecâmara de algo novo e permanente como o deixar de respirar, tudo volta, como uma garrafa de água vazia que insiste em boiar no meu pensamento. Todo o caminho foi percorrido em vão. Julgava ter de enfrentar o juízo final depois da morte. Julgo perceber que esse momento surge mais cedo, como um presente envenenado de sinais de um eu que mal reconheço. Resta deixar de lutar e enfrentar a dor do momento, mesmo que isso signifique perder a noção daquilo que sou. Gozar o momento, abraçando-o em mim, como algo que é meu, mesmo que não seja, mesmo que isso signifique o afundar do meu rosto na areia escaldante do deserto do nada.»