Thursday, May 08, 2008

Fiz




Fiz-me há pouco ao caminho que se faz debaixo de mim. Ao que parece venho das nuvens, do céu, do ar frio das grandes altitudes. Não sei bem porquê, mas parece que nunca lá estive, parece-me também que nunca pus os pés neste chão. Nunca conheci esta sensação próxima do pó que entra nas narinas, se aloja nos cabelos, nas unhas dos pés. Não sei por quem falo, nem para quem se dirigem estas vãs palavras. Sei apenas que elas saem de mim sem sabor, misturando-se com o vento que passa, árido e seco. Reparo que deixo um rasto atrás de mim, como se precisasse dele para ter a certeza que tudo isto é real, que as linhas do horizonte são mesmo horizontais e que o sol é mesmo vermelho por dentro.


Aos amigos que sei guardados no bolso de dentro da minha memória e que desconheço os olhares e cheiros, digo apenas um olá envergonhado; esboço apenas um sorriso quebrado; aceno ligeiramente a minha cabeça que só conheço o contorno das sombras. Ficam cá guardados até eu descobrir a chave do bolso onde os guardei, como um cego que guarda as cores todas num saco bem junto do seu peito.
Fiz o que tinha a fazer, pisquei os olhos as vezes suficientes, nadei no mar de dúvidas o tempo suficiente para ficar com as pontas dos dedos como plasticina amolecida, brinquei o bastante ao saber estar vivo, ao querer o mais que nunca vi, que nunca soube o que é, ou o que foi.


Parto pois daqui sem mágoa. O percurso faz-se deslizando nos segundos que não são nossos, faz-se na correnteza das palavras escritas ou ditas a alguém que nunca as compreenderá, faz-se no fazer que nunca se fez. Chega de ouvir o relevo dos sons inquinados pelo nosso ouvido, basta de chegar ao precipício de um ponto final.


Volto agora de onde nunca devia ter saído. Agora que violei as grades que me prendiam os pensamentos desconexos tudo deixou de requerer sentido. As nuvens voltaram para me rodear, docemente dar-me o sono que cure as feridas que não sei sarar, calmamente saborear aquilo que já não vejo e o que já não escrevo…