Sunday, November 19, 2006




O som era semelhante. Não conseguia perceber se era um cão a ladrar lá fora ou simplesmente o meu estômago a mandar uma mensagem codificada. O sono invade o meu espaço consciente. Resta-me esperar que ele se apodere de mim e me transporte para um outro filme. Livre e sem restrições de um qualquer muro inibitório proclamado como um super-herói, o meu super-ego. Quando penso em super-herói, ou super qualquer coisa, penso sempre numa personagem mascarada com uma capa muito lavadinha e brilhante que nos salva no ultimo momento de um qualquer perigo inesperado e mortal. Não consigo ver o super-ego nesse filme. Ele é mais… Ia a dar um arroto no elevador do prédio da minha tia, ele surge na minha cabeça…e o pessoal fica-se. O prof. De “quinhonês arcaico” é um cabrão, merece ouvir umas cenas, o super-ego chega e ficamos de súbito a pensar como difícil será passar a esta cadeira por exame…. ou sentes o ar diferente, as cores estão mais polidas, a harmonia acompanha-te, sentes-te apaixonado. Quando quase formulas as palavras mágicas à frente dela/e, o super-ego diz-te adeus de longe e tu chutas as palavras para trás das costas. Para mim ele não é nenhum super-herói. Considero-o a parte mais coninhas da minha pessoa. Por mais vezes que ele me tenha livrado de ter feito figuras tristes, nunca me hei de esquecer de uma, apenas uma outra qualquer ocasião que ele me tenha inibido e com isso, inibido nem que seja apenas um segundo de felicidade.
Será que já estarei noutro filme? Do outro lado do espelho? Que dirá o super-ego neste momento? Já deve ter adormecido enquanto eu ainda aqui estou armado em parvo. Lol… Esquece. Vou apagar a luz e tentar fechar os olhos.

Tuesday, November 14, 2006

14/11/06


«E alguém diz «gatos... Quem quer gatinhos?? Acho que vou ficar com este preto e branco. Já lhe dei o nome de Farrusco. É diferente dos outros. Quem quer gatos??.» Um rapaz brinca com as suas miniaturas de carros antigos no parapeito de uma montra. Ao passar para o outro lado da rua, sinto o agradável cheiro a castanhas, de seguida reconheço alguém que está na nuvem de fumo baço provocado pela assadura das ditas. Com o cabelo nos olhos e com milhentas coisas na mão que a impedem de ajeitar o penteado depois de uma forte rajada de vento, está Júlia. Cabelos encaracolados, compridos e ruivos. É esse o seu diapasão. É pelos cabelos que todos a conhecem e para ele onde olham ao primeiro deslumbre. Depois dos habituais cumprimentos, seguimos os dois em direcção à boca da estação do metro. Discorrem frases sem grande sentido para ambos. Fala-se de como estão a correr as coisas, como o céu está cinzento e ameaça com chuva forte. Nada de relevante, algo que ela se vai esquecer com facilidade pois para ela, eu sou apenas um antigo conhecido de episódios passados e praticamente esquecidos.
Sigo em frente, tenho uma missão a cumprir, as batidas da música que me acompanham dominam os meus passos e movimentos corporais. Paro para beber café e dou por mim a ouvir uma conversa corriqueira sobre o jogo do dia anterior entre um trio de velhos. Não ligo, até porque aquela música surgiu no momento errado. Queria ouvi-la quando estivesse só, para poder acompanhar aquele amigo com palavras ásperas e cheias de sentido.
Sinto-me acordar de um sono cambaleante e pouco profundo. Tenho um leve sabor amargo na boca. Ainda faltam várias paragens para sair. O BUS está quase cheio e dou graças por ocupar o meu lugar preferido naquele autocarro. Só, encostado à janela. Assim não incomodo ninguém e o tempo passa mais depressa junto à janela que mostra uma cidade anémica e sem cor. Opto por reparar nos sapatos do autocarro. Dou por mim a tentar associar os sapatos que vejo, às pessoas que os usam. Sinto-me a rir por dentro quando vejo o resultado desse exercício. O tempo não passa, ou melhor, o BUS parece não andar. O relógio não pára. Ele nunca pára, por mais que corramos atrás dele. O dia parece igual a outro qualquer. E para aqueles que me vão acompanhando nesta viagem de autocarro será com certeza. É suposto sentir-me especial, privilegiado, talvez até feliz. Não é todos os dias que se comemora ¼ de século. Não é um dia qualquer, de facto. É aquele dia que ao longo dos anos tornei meu. Meu mesmo. Perto do natal, normalmente cinzento mas sempre com uma aura especial. Este dia com D grande foi-se esbatendo com o passar dos meses, com os aniversários do pessoal do mesmo ano que nasceu mais cedo. Talvez por ser o último do grupo a fazer anos, o efeito seja bem mais esbatido e sem sentido. Na verdade já há vários meses que me sinto com esta idade, e me deparo com todas as questões da primeira crise da idade depois de adulto. Como que a ternura dos 25... Aquele momento que se olha para trás, se vê o quanto não se fez, as expectativas goradas e os ideais furados de tão caducos que até hoje foram defendidos. As mocas que se apanharam, as viagens que se realizaram e o respirar fundo que nos prepara para a caminhada até aos 30.
Recebo uma chamada no telemóvel, «obrigado pá! Fonix, tou mesmo a ficar velho e badocha!! Que se foda! Obrigado por teres telefonado…» Capto um olhar penetrante que se cruza com o meu na rua. Alguém que certamente seria fascinante conhecer, mas não nesta vida. Sigo adiante, sinto-me suar. O concurso para a escolha da roupa certa para mais este dia não foi ganho. Sinto-me demasiado quente e desconfortável, mas se me despisse sentiria frio. Começam a cair os primeiros pingos frescos, grossos e refrescantes de um aguaceiro que se irá prolongar por largos minutos. Sigo viagem. No cimo da rua comprida e descendente vejo dezenas de guarda-chuvas abertos. Parece uma filmagem para um anúncio de uma qualquer seguradora, sugadora de dinheiro. Desço a rua e sinto-me superior por não precisar de guarda-chuva. Sinto-me livre, mais livre do que qualquer um naquela rua barulhenta e demasiado cinzenta. Dou por mim a cantarolar “Drop the leash/ Drop the leash/ Get outta' my fucking face/ Drop the leash/ Drop the leash!” Não me sai da cabeça. Martela-me sem parar. Sinto-me feliz neste momento, em controlo absoluto do meu mundo, do meu destino. Paro de súbito. Como desejava eu ter agora a maquina. A chuva proporcionara-me um momento inesquecível, a combinação da luz e da água estava perfeita. Ansiava capta-lo e tinha faltado ao encontro, deixando a maquina fotográfica a descansar em casa. Senti-me derrotado.
Uma senhora dirige-se a mim. Fala mas nada oiço que venha da boca dela. Tiro o “phone” da orelha e digo: «Desculpe. Diga?» «Sabe-me dizer onde apanho o autocarro para Algés?» responde ela. Tento falar alto, de maneira que ela me perceba à primeira e opto por um tom reservado e bem-educado. Aceno com gestos para não restarem quaisquer dúvidas «Desce esta rua, vira à direita e vê a paragem. Não é autocarro, é eléctrico. Não há nada que enganar.» Sigo viagem e reflicto sobre o tom e as palavras que acabei de proferir. Dei-me por satisfeito pela minha prestação e mergulhei de novo.
As horas passaram depressa. Provavelmente, demasiado depressa. Desviei o olhar para o relógio. Faltam dez para a meia-noite. O dia acaba como qualquer outro. Ainda é cedo para julgar e classificar o dia. Sinto um leve sentimento de pena por tudo se estar a acabar. Afinal este dia é meu. Meu com M grande, como não há outro no ano. Sinto que não fiz nada daquilo que queria com ele. Resta-me apenas esperar pelo próximo.»

Não será ou não foi nada disto que aconteceu neste dia, mas podia ter sido... para o ano há mais.

Sunday, November 12, 2006


“Quando gritas bem alto, tudo o que ouves é o estridente pedaço azul do céu que junta as nossas bocas num dia qualquer.
Que procuras tu no lodo da tua imaginação? Quem desejas que apareça à tua porta no fim do dia? Estremeces de medo que seja apenas o teu reflexo naquele velho espelho côncavo.

Brilhas dentro de mim, que procuro só a melhor maneira de saber dizer sim ou não. Escrevo na areia palavras apagadas. Procuro sentido, paz. Receio alcançar felicidade sem saber se ela existe.
Nas curvas das tuas rugas encontro o desejo de me encontrar, de me descobrir. Lembram-me folhas rasgadas e vazias de um velho caderno de escola. Pareço deslumbrar uma luz forte, procuro o túnel que não existe à minha volta. Dispenso sentimentos, procuro fluir nas sensações que me transportam para o infinito adeus ou para outro embaraçante final.”

Friday, November 10, 2006


Tirei o dia para ele fazer o que quisesse de mim. Optei por apreciar a luz e o calor da minha janela num dia de moribundo Verão. Graças a um qualquer santo que consiga fazer este tipo de milagres em pleno Novembro.
Queria ouvir musica que não me influenciasse o estado de espírito, uma música híbrida em si mesma mas que me ajudasse a fugir do silêncio. Escolhi o cd certo e agora espero sacar de mim qualquer confissão mais ou menos sumarenta.

Disseram-me ultimamente que devia aproveitar/encarar a vida de uma forma mais positiva, de andar com o sorriso nos lábios como se fosse quase uma arma de arremesso. A minha táctica sempre foi outra. Cara de mau, como um cão de guarda, como que a avisar a quem se quisesse aproximar. Talvez seja por isso que quase nunca as pessoas queiram partilhar um lugar duplo no BUS comigo (espero que não seja do cheiro…) É mais fácil para mim optar por esta estratégia, e obtenho sempre alguns resultados.

Não me sinto um ser completo, isso é certo. Pareço órfão de mim mesmo em certos momentos. Ainda tenho muito que crescer dentro de mim, talvez quando o fizer já não me sirva de muito, ou mesmo não me sirva para nada e por isso talvez as reticencias em o fazer. Creio que o meu maior obstáculo em certos aspectos, sou eu mesmo, mas é comigo que tenho que acordar, sofrer, sorrir e um dia, morrer.
Uma mosca faz-me companhia, insistentemente. Mas acho que preferia ficar sozinho.



“Havia na sua voz um luto que cobria o mundo. E eu disse-lhe:
- Enquanto houver uma flor e um pássaro a explicá-la, a alegria continua.
E como gostou da frase, não replicou.”

V. Ferreira, Escrever


“Não queiras saber tudo. Deixa um espaço livre para te saberes a ti.”
V. Ferreira, Escrever